O panorama econômico do Brasil permanece ativo, o que impede que o setor de trabalho seja impactado pelas medidas restritivas da política monetária, representadas pelas taxas de juros elevadas. Diferentemente, o país está gerando postos de trabalho, segundo análise de especialistas consultados pela Agência Brasil, com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
Anunciado nesta quinta-feira (31), o estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a taxa de desemprego no trimestre finalizado em junho é a mais baixa já registrada desde o início da pesquisa, em 2012, atingindo 5,8%.
A Pnad Contínua também indica que o Brasil alcançou números recordes no total de pessoas ocupadas (102,3 milhões ─ 1,8 milhão a mais que no trimestre anterior), na quantidade de trabalhadores formais (39 milhões) e na renda média mensal (R$ 3.477).
Surpresa
O especialista em Economia Gilberto Braga, docente do Ibmec, expressou sua surpresa diante da taxa de desocupação pela primeira vez abaixo de 6%. Considerou inesperado, uma vez que era aguardado um aumento, e não uma redução.
Braga destacou o índice como surpreendente, principalmente devido ao cenário de altos juros, em particular da Taxa Selic, que influencia as demais taxas de juros econômicas. Atualmente, a Selic está em 15% ao ano.
“O resultado é surpreendente não apenas no que diz respeito ao desemprego absoluto, mas em todos os aspectos, sendo muito positivo: houve crescimento na contratação de profissionais com carteira assinada, redução da informalidade e aumento na remuneração média dos trabalhadores.”
A Pnad Contínua mostrou uma taxa de informalidade ─ proporção de trabalhadores sem benefícios trabalhistas entre os empregados ─ de 37,8% no segundo trimestre, a mais baixa desde o mesmo período de 2020 (36,6%).
Atuação do Banco Central
A Taxa Selic, principal índice de juros da economia, é determinada a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) e é o principal instrumento para alcançar a meta de inflação estabelecida pelo governo, atualmente em 3% ao ano, com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Desde setembro de 2024, a inflação oficial medida pelo IBGE tem excedido o limite máximo da meta, de 4,5%. Em junho, a variação acumulada em 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,35%. O desrespeito à meta justifica a manutenção da Selic em patamares elevados pelo BC.
O ciclo de alta teve início em setembro de 2024, quando o Copom deu início à elevação da Selic, que então estava em 10,5% ao ano. Em junho, a taxa atingiu 15%, o maior nível desde julho de 2006 (15,25%). A última reunião do Copom, na quarta-feira passada (30), decidiu manter a taxa nesse mesmo patamar.
Uma consequência dos juros elevados é o efeito restritivo, que combate a inflação. A elevação da taxa encarece empréstimos ─ tanto para pessoas físicas quanto para empresas ─ e desencoraja investimentos, já que pode ser mais vantajoso manter o dinheiro aplicado, rendendo juros altos, do que assumir riscos em atividades produtivas.
Essa série de impactos desacelera a economia. Daí decorre o impacto negativo: menos atividade normalmente resulta em menos empregos e menor renda. De acordo com o BC, o efeito da Selic na inflação leva de seis a nove meses para se tornar relevante.
Resistência
O economista Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca a natureza “contraditória” do panorama econômico.
“Esse resultado parece um tanto contraditório, considerando o momento econômico bastante complexo, com a taxa de juros em um nível elevado, mas o mercado de trabalho acompanha o ritmo da atividade econômica. Conforme a economia se mantém robusta, a taxa de desemprego e o mercado de trabalho seguem na mesma direção”, complementou Tobler.
Impulsionadores
O economista Sandro Sacchet, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, considera “natural que o mercado de trabalho leve tempo para reagir às mudanças na Selic, tanto para cima quanto para baixo”.
Sacchet aponta duas razões que explicam a demora para o emprego sentir os efeitos dos juros altos. Uma delas é a manutenção dos valores elevados do programa de auxílio financeiro Bolsa Família em R$ 600. Esse montante era pago de forma emergencial durante a pandemia de covid-19 e foi estabelecido como permanente em 2023.
“Isso faz com que o mercado de trabalho responda mais ao consumo das famílias e menos aos investimentos das empresas”, explicou. “O mercado de trabalho consegue se manter devido ao consumo familiar e à manutenção da renda proporcionada por um benefício do Bolsa Família mais alto”, acrescentou.
Outro aspecto, segundo o pesquisador especializado em emprego e renda, é a maior presença de trabalhadores autônomos na economia. Conforme a Pnad, o contingente de profissionais autônomos chega a 25,7 milhões, o maior já registrado.
De acordo com a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy, entre 75% e 80% deles não têm registro empresarial (CNPJ), sendo informais. Isso também torna o mercado de trabalho mais dependente do consumo familiar e menos dos investimentos de empresas formais, observou.
“Essa mudança estrutural no mercado de trabalho colabora para explicar por que a ocupação e a renda têm reagido de forma mais lenta às variações na taxa de juros”, complementou.
No entanto, Sacchet enfatiza que o emprego não é imune aos impactos dos juros elevados. “Com o tempo, acabará afetando a taxa de desemprego”.
Próximos meses
Segundo o economista Rodolpho Tobler, nos próximos seis meses, e também em 2026, talvez não seja possível manter esse ritmo de crescimento no mercado de trabalho, já que a economia tende a “arrefecer”.
Segundo Tobler, já existem dados indicando um início de desaceleração da atividade econômica. “Assim, é natural que o mercado de trabalho também desacelere um pouco”, disse o coordenador das pesquisas empresariais e dos indicadores de mercado de trabalho do Ibre.
“Não esperamos um aumento expressivo na taxa de emprego nem grandes demissões no comércio. Apenas prevemos que o emprego não continue crescendo de forma tão acelerada quanto visto desde 2023, especialmente em 2024, e agora no primeiro semestre deste ano”, concluiu.
Sandro Sacchet mencionou a expectativa de uma “ligeira elevação” na taxa de desemprego, que voltaria a cair no final do ano, com as contratações sazonais de Natal. “A taxa de desemprego deverá se manter em patamares inferiores aos do ano passado até o final de 2025”, estimou.
Fonte: Agência Brasil