A computação quântica pode, eventualmente, comprometer as estruturas criptográficas que resguardam trilhões de dólares em bens digitais — e, conforme um recém-publicado relatório da Mysten Labs, algumas blockchains apresentam maior fragilidade do que outras frente a essa hipótese.
O documento, liberado no meio da semana passada, defende que redes que empregam o modelo de autenticação EdDSA — como Solana, Sui e Near — estão estrategicamente mais bem equipadas para opor-se a riscos quânticos.
Por outro lado, blockchains mais antigas, como Bitcoin e Ethereum, que se apoiam no sistema ECDSA, deparam-se com desafios mais intrincados, tanto em termos criptográficos quanto logísticos, ao implementar salvaguardas após a era quântica.
À medida que mais companhias e governos começam a concentrar reservas em Bitcoin, Kostas Chalkias, um dos fundadores da Mysten Labs e seu principal criptógrafo, revelou que a pressão para atender normas de segurança pós-quânticas vem crescendo.
“As autoridades estão atentas aos perigos inerentes à computação quântica. Instituições em diversos países já emitiram diretrizes para a descontinuação de algoritmos clássicos como ECDSA e RSA até 2030 ou 2035”, declarou Chalkias à Decrypt.
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“Isso significa que, caso sua blockchain acomode ativos soberanos, reservas nacionais em criptomoedas, ETFs ou CBDCs, será imperativo aderir a padrões criptográficos pós-quânticos — caso sua comunidade valorize credibilidade a longo prazo e adoção difundida”, acrescentou.
O algoritmo de autenticação digital EdDSA (Edwards-curve Digital Signature Algorithm) figura como uma técnica mais atual, rápida e simples de implementar, a qual elide armadilhas habituais do ECDSA, como vulnerabilidade decorrente de geração deficiente de números aleatórios, reutilização de nonce e vazamentos por canais paralelos.
Tanto Bitcoin quanto Ethereum empregam, à data presente, o ECDSA para resguardar a integridade das transações e, eventualmente, terão de transmudar para algoritmos resistentes à computação quântica.
Atenção voltada à ameaça quântica
Chalkias advertiu que a computação quântica representa uma ameaça vital à criptografia e preveniu que, à medida que os computadores quânticos progredirem, poderão proscrever os pressupostos criptográficos subjacentes à maioria das blockchains atuais.
A ameaça provém da faculdade das máquinas quânticas em resolver problemas complexos utilizando o Algoritmo de Shor. Tal técnica pode fatorar, de forma célere, números de grande magnitude, viabilizando a quebra de sistemas criptográficos amplamente empregados, como RSA e ECDSA.
Aliada ao algoritmo de Shor, essa habilidade poderia facultar a agressores a utilização de computadores quânticos para reverter a engenharia de chaves privadas a partir de dados públicos da blockchain. Ainda, segundo Chalkias, possuir a chave privada por si só poderá não ser suficiente num contexto pós-quântico.
“Mesmo que alguém detenha sua chave privada de Bitcoin ou Ethereum, poderá não conseguir produzir uma prova de propriedade segura pós-quântica. Isto dependerá da maneira como a chave foi primeiramente gerada e em que medida seus dados correlatos foram expostos ao longo do tempo”, explanou.
Hora de se precaver
Ainda que os computadores quânticos estejam atualmente longe de serem suficientemente poderosos para tal, o docente de ciência da computação da Universidade Estadual de San José, Ahmed Banafa, asseverou que é necessário começar a se preparar desde já.
“Para adotar essa nova abordagem, o Bitcoin terá de passar por uma bifurcação”, mencionou Banafa à Decrypt. “Isto implica em alterar endereços de carteira, trasladar fundos e lidar com todas as complexidades associadas a isso.”
Banafa reconheceu que a probabilidade de tal bifurcação ocorrer é reduzida, citando a controvérsia na comunidade do Ethereum quanto à possibilidade de reverter ou não a blockchain após um hack que resultou na formação do Ethereum Classic, em 2015.
“É algo análogo ao que sucedeu com o Ethereum, no momento da separação entre Ethereum e Ethereum Classic”, observou ele. “É possível que venhamos a testemunhar uma divisão semelhante no Bitcoin, com parcela das pessoas defendendo uma abordagem distinta e se negando a adotar as atualizações propostas.”
Outro ponto sublinhado por Banafa foi o elevado número de carteiras de Bitcoin e Ethereum criadas desde o lançamento dessas blockchains.
“O real desafio será a implementação — caso os usuários deixem de realizar as atualizações ou proteger suas contas, poderão vir a representar um risco para a rede”, alertou. “E, se enfrentarem perdas decorrentes disso, poderão acabar por responsabilizar a própria rede.”
Conforme a Mysten Labs, se o Bitcoin tivesse incorporado desde o princípio o EdDSA, até mesmo as carteiras pertencentes a Satoshi Nakamoto poderiam ser blindadas contra investidas quânticas.
Banafa ainda observou que a avaliação retrospectiva exerce influência nessa discussão. Em 2009, ao lançamento do Bitcoin, a computação quântica não era sequer considerada.
“Lá por 2019, as pessoas acreditavam que o SHA-256 era suficientemente robusto — levaria anos até ser vulnerável”, frisou. “Ninguém esperava que a computação quântica atingisse o nível de potência que possui hoje.”
* Traduzido e adaptado com autorização do Decrypt.
Fonte: Portal do Bitcoin