Durante as férias de julho, a cirurgiã-dentista Tuanny Monteiro Noronha, de Brasília, partiu com o cônjuge rumo ao Paraguai e à Argentina. Nos dois países vizinhos, algo similar ao cotidiano que já conhece no Brasil: a quitação de despesas por meio do Pix, o esquema instantâneo de movimentações financeiras predileto dos brasileiros.
O sistema, concebido pelo Banco Central e introduzido em 2020 no Brasil, está se propagando rapidamente em outras nações através de soluções disponibilizadas por companhias particulares, especialmente as chamadas startups, organizações especializadas em serviços financeiros e tecnológicos.
“No Paraguai, quase todos os estabelecimentos aceitavam, nas grandes lojas, a aceitação era garantida”, relata a odontologista sobre a vivência em Ciudad del Este, uma das cidades limítrofes com Foz do Iguaçu, no Paraná, reconhecida como um grande centro internacional para aquisição de dispositivos eletrônicos.
“Eu já estava ciente de que o Pix tinha se difundido, pois fui com o propósito de efetuar compras, mas a presença é praticamente total, mais de 90% das lojas”, descreve.
Em Buenos Aires, a capital argentina, Tuanny menciona que praticamente todos os restaurantes visitados por ela também disponibilizavam a alternativa de quitação através do Pix. “Eram poucos os que não tinham essa possibilidade.”
Tuanny Noronha optou por efetuar transações de compra e alimentação utilizando o Pix durante a viagem com o cônjuge, Rodrigo Noronha, ao Paraguai e Argentina – Foto: Tuanny Noronha/Arquivo pessoal
De fato, o Pix não autoriza remessas internacionais diretamente para contas bancárias em outros países, apenas entre contas abertas no Brasil.
No entanto, desde pelo menos 2023 e, especialmente no último ano, a utilização do Pix como método de pagamento no exterior está sendo viabilizada por intermédio de parcerias diretas entre startups brasileiras, que fornecem a chave Pix, e empresas credenciadas, também conhecidas como adquirentes, que são aquelas instituições financeiras responsáveis pelas maquininhas de pagamento com cartão de crédito e débito.
“A dinâmica é a seguinte: o comerciante pega a maquininha, insere o valor em moeda local, em pesos argentinos, por exemplo, se estiver em um estabelecimento desse país vizinho, e o QR Code do Pix surge na tela. O indivíduo escaneia o QR Code do Pix e o montante é convertido automaticamente para o real de maneira instantânea, com o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] já incluso”, relata o empresário Alex Hoffmann, CEO e um dos fundadores da PagBrasil, empresa de Porto Alegre especializada em processamento de transações digitais.
“E o montante exibido no QR Code da máquina, já em real, corresponde ao custo final da aquisição pelo cliente. Em outras palavras, a taxa de câmbio é assegurada no momento da quitação, diferentemente, por exemplo, do cartão de crédito, onde você efetua uma compra e não tem ciência da cotação que será utilizada porque é a cotação do dia do fechamento da fatura”, acrescenta Hoffmann.
Intermediário de serviço
Para que o Pix opere no exterior, é essencial que as duas extremidades da transação – o recebedor e pagador – detenham contas em entidades participantes do Pix no Brasil e conta em real ou, alternativamente, um estabelecimento do exterior possa receber por intermédio de um prestador de eFX (facilitadoras de pagamentos internacionais). Nesse cenário, o pagador efetua um Pix por meio de sua conta no Brasil para esse agente eFX, que então prossegue com uma remessa internacional para o estabelecimento, instantaneamente. É precisamente esse serviço oferecido pela PagBrasil e outras companhias que atuam nesse ramo e que têm contribuído para ampliar a utilização do Pix além das fronteiras brasileiras.
“Com a evidência do Pix e sua ampla aceitação pela população brasileira, as instituições têm cada vez mais apresentado soluções voltadas para o mercado global. Já observamos o Pix sendo adotado nessa configuração em várias localidades como Chile, Argentina, Estados Unidos, Portugal, França, entre outros”, afirma o Banco Central.
“Contudo, nos modelos presentemente envolvendo o Pix em transações com outros países, o Pix é utilizado meramente em uma fase da operação [nacional]”, complementa a assessoria do BC.
A instituição ainda não planeja instaurar um Pix internacional, o que requer a adesão de complexos tratados internacionais com diversas nações, contudo há estudos para conectar a rede Pix com o sistema Nexus, uma plataforma em desenvolvimento pelo Banco de Compensações Internacionais (o Banco Central dos bancos centrais) a fim de possibilitar remessas rápidas de recursos entre países.
Ágil e conveniente
Utilizado por cerca de 75% da população brasileira, o que corresponde a aproximadamente 160 milhões de pessoas, o Pix é sem dúvida o principal método de transferência de valores entre contas. Desde o ano passado, de acordo com dados do próprio BC, ele responde por quase metade do total de transações de pagamento no Brasil, muito à frente de pagamentos efetuados com cartões de crédito ou débito, por exemplo.
“Com a atual insegurança de andar com dinheiro em espécie nos dias atuais, o uso do Pix simplifica, inclusive no estrangeiro”, observa Tuanny Noronha.
Outra modalidade frequente de emprego do Pix fora do país ocorre por meio de empresas financeiras que fornecem serviços de transferência internacional de dinheiro e contas em várias moedas. Nesse caso, o usuário efetua um pagamento Pix que gera crédito nessa conta internacional, na qual é possível optar por diversas moedas, utilizando a cotação internacional, e gastar no formato de cartão digital de débito, por intermédio do aplicativo instalado no smartphone.
Durante sua viagem a Paris, a jornalista Verônica Soares recorreu ao Pix para adquirir créditos em reais e transformá-los em euros em plataforma digital – Foto: Verônica Soares/Arquivo pessoal
A jornalista Verônica Soares, também residente no Distrito Federal, encontra-se em férias em Paris, a capital francesa, e efetuou transações via Pix para sua própria conta em um desses aplicativos multimoeda.
“O Pix facilitou muito a conversão rápida do real para o euro. Na primeira vez que estive aqui, precisei transformar o real em euro em uma casa de câmbio no Brasil para trazer para a viagem. Agora, realizo um pix da minha conta do meu banco tradicional para um aplicativo, e efetuo a conversão instantaneamente para o euro, sem precisar passar por uma casa de câmbio. Tudo muito prático e veloz, utilizando o celular para efetuar os pagamentos”, ressalta a comunicadora.
Expansão do Pix
Alex Hoffmann, da PagBrasil, informa que a ideia do Pix Internacional surgiu quando ele passou um réveillon em Punta del Este, o balneário mais famoso do Uruguai, há dois anos. “O público lá nessa época é 80% formado por brasileiros. Fazia muito sentido ter possibilidade do uso do Pix como meio de pagamento”. Poucos meses depois, o serviço já estava em operação no país vizinho e hoje está bastante disseminado por lá, segundo o empresário.
Estabelecimento em aeroporto do Panamá aceita pagamentos por meio do Pix – Foto: Marcelo Brandão/Agência Brasil
Em Buenos Aires e no Paraguai, em estabelecimentos como lojas de departamento, restaurantes, feiras, bares e vários pontos com grande circulação de turistas brasileiros, também é certo encontrar a opção de quitação via Pix, relata Hoffmann. Porém, o modelo já alcançou países como Espanha, Portugal, França, Chile, Panamá e, mais recentemente, os Estados Unidos (EUA).
No maior mercado mundial, a PagBrasil e a Verifone anunciaram recentemente um acordo para fornecer a modalidade de pagamento via Pix com conversão em tempo real de dólar para o real.
“A Verifone é a principal adquirente dos Estados Unidos. Ela atende 75% dos grandes varejistas americanos, processando US$ 8 trilhões por ano.”
O intuito é aproveitar a significativa presença de visitantes brasileiros nos Estados Unidos anualmente. Apenas no ano passado, o número de turistas do Brasil que viajaram aos EUA chegou a 1,9 milhão, conforme dados do Escritório Nacional de Viagens e Turismo do país norte-americano. Estima-se que esse número ultrapasse 2 milhões de visitantes este ano, com gastos superando US$ 4,9 bilhões.
Prevê-se que, nos locais mais frequentados pelos brasileiros nos EUA, como Flórida e Nova York, a opção de pagamento via Pix será cada vez mais difundida, sobretudo em estabelecimentos de grande porte e parques temáticos.
Sistema “imparável”
Recentemente, o presidente norte-americano, Donald Trump, solicitou a abertura de averiguação contra o Brasil por supostas práticas injustas, abarcando especificamente o modelo de transações do Pix. No entanto, é pouco provável que essa medida consiga frear o avanço dessa tecnologia, pondera Alex Hoffmann.
“Não tenho poderes de previsão, mas acredito e espero que não haja interferências nisso, pois estamos falando de entrada de divisas nos EUA. Então, se o governo norte-americano for pragmático, perceberá que estamos fomentando o turismo de brasileiros viajando para os Estados Unidos e gastando lá com Pix”, argumenta.
“E não há como deter o rumo dos acontecimentos. O Pix é inabalável pela qualidade. É o sistema de tranferência e pagamento mais versátil do globo. O Pix abarca essa parcela de transferência, mas também é QR Code no ponto de vendas, é Pix automático agora, para pagamentos recorrentes. Dá para pagar por aproximação e, em breve, teremos o Pix garantido que permitirá o parcelamento, similar ao que ocorre com cartões de crédito. Não há no mundo nenhum sistema de transações mais abrangente e superior a esse”, completa Hoffmann.
Fonte: Agência Brasil