Se não concedermos circunstâncias favoráveis para nossas moedas virtuais, outras nações vão impor as suas em nosso mercado. O progresso das stablecoins respaldadas em dólar demanda que estabeleçamos diretrizes para o desenvolvimento de stablecoins brasileiras.
Atualmente, as stablecoins representam uma nova camada financeira: moedas online que refletem o valor de uma moeda fiduciária como o dólar ou o real — sem instabilidade associada ao Bitcoin, por exemplo. Constituem capital. Mas digital, programável e global. USDT, USDC, BRL1 e similares já transacionam trilhões anualmente, superando redes como Visa e Mastercard em amplitude.
A recente aprovação do Genius Act nos EUA dá uma vantagem decisiva às stablecoins lastreadas em dólar. A emissão nos EUA agora apresenta requisitos mínimos obrigatórios: reserva completa (1:1), lastro em títulos do governo líquidos, auditoria, transparência e apoio institucional.
Instituições financeiras, exchanges e empresas de tecnologia norte-americanas estão se apressando para lançar suas versões digitais do dólar respaldadas em títulos do Tesouro americano. Além das inovadoras USDT e USDC, novos concorrentes como J.P. Morgan e Paypal estão ingressando no mercado.
O mundo já está adotando o dólar digital, cuja prevalência tem ampliado sua presença no comércio global, importância em reservas internacionais e facilidade de conversão para uma vasta liquidez. E agora o apoio regulamentar pode superar o impulso libertário inicial e se tornar o principal catalisador do avanço das stablecoins.
Nesse movimento, não se deve considerar que a natureza descentralizada da blockchain seja um impedimento a uma abordagem centralizada. Trata-se, neste caso, de uma estratégia que, simultaneamente à expansão da oferta de dólares para fornecer liquidez ao comércio digital, também garante que tal oferta resulte em demanda por títulos do Tesouro americano.
Uma proposta de transição monetária em um contexto de aumento da dívida dos EUA evoca comparações históricas. De Bretton Woods ao Plaza Accord, os EUA coordenaram uma ação global para uma nova ordem monetária mundial.
O Genius Act propõe unilateralmente uma nova ordem, na qual empresas privadas dos EUA têm permissão para emitir stablecoins vinculadas à economia digital aos títulos do Tesouro americano. Um canal direto, discreto e voluntário: por trás de cada token está uma parte da dívida norte-americana, adquirida voluntariamente por usuários ao redor do globo.
Alguns apontam uma forma de genialidade geopolítica que justificaria o nome da legislação. Mais do que questionar o processo, compreender essa dinâmica é crucial para quem procura entender os riscos e se adaptar ao mercado. Reino Unido, União Europeia, Coreia do Sul, Japão e várias outras nações já estão se organizando para responder adequadamente.
E como fica o Brasil?
Corporações e investidores brasileiros utilizarão stablecoins para transações globais eficazes. Se não houver alternativas em grande escala e com respaldo regulatório, o mercado seguirá rumo às stablecoins lastreadas em dólar, o que diminuiria a presença do real e reduziria a resistência cambial.
A expansão do real nesse ambiente trará benefícios tangíveis para habitantes e empresas do Brasil. A ausência de stablecoins sólidas referenciadas ao real não seria neutra. Abriria caminho para o avanço do dólar digital, desencorajando o uso do real como moeda padrão no ambiente online. Isso, com o tempo, influencia decisões de investimento, reservas de capital e até mesmo a efetividade da política monetária.
A melhor maneira de garantir o interesse nacional nesse novo panorama é incentivar e respaldar stablecoins referenciadas ao real e lastreadas em títulos públicos brasileiros.
A experiência demonstra que há demanda e aplicação imediata para stablecoins referenciadas ao real. A crescente aceitação da BRL1 em exchanges como Mercado Bitcoin, Foxbit e Bitso confirma sua viabilidade e procura de mercado. Operadores experientes têm utilizado BRL1 para transações eficientes com criptomoedas, sem depender constantemente da conversão para dólares.
Além das plataformas de negociação, o apoio às stablecoins brasileiras traz outros benefícios: o Banco Central amplia sua capacidade regulatória para proteger cidadãos e empresas brasileiras; atrai investimentos estrangeiros; fortalece a solidez das instituições financeiras locais; aumenta a conversão do real; e, com uma base jurídica sólida, libera capital, trazendo mais eficiência ao sistema financeiro.
É oportuno que o Brasil tenha uma atuação assertiva — já o tem demonstrado em outras frentes. O Banco Central do Brasil lançou o Pix, o sistema de pagamentos instantâneos mais bem-sucedido do mundo. Também liderou o Open Finance, transformando a interação entre usuários e dados financeiros, e iniciou o piloto do DREX, uma infraestrutura digital para a economia tokenizada, com apoio da CVM.
Esses projetos foram conduzidos por um grupo técnico competente, inovador e, especialmente, comprometido com o bem público. Um exemplo raro de Estado que antevê e constrói, e que pode orientar a próxima fase: criar as condições para o florescimento seguro, líquido e global das stablecoins em real.
A orientação principal deve ser oferecer segurança jurídica às stablecoins nacionais, pré-estabelecendo, possivelmente, um lastro 1:1 em títulos públicos, emissão institucional e interoperabilidade com redes e ativos tokenizados. Com previsibilidade e efetividade jurídica, as stablecoins locais seriam valiosas para os brasileiros no mercado digital global e uma base sólida para investidores estrangeiros interessados em negócios no Brasil.
Se o Brasil não promover suas próprias stablecoins, inevitavelmente o dólar digital preencherá esse vácuo. Já dispomos de tudo necessário para liderar essa inovação, incluindo um sistema financeiro ágil e bem estruturado como poucos. E já temos stablecoins no mercado. Devemos fomentar as iniciativas responsáveis existentes enquanto desenvolvemos uma visão estratégica para escalar o que já está em vigor, e estabelecer parâmetros para novas emissões.
Não se trata mais de questionar se as stablecoins têm lugar na economia — elas estão cada vez mais integradas a ela. Agora, o debate versa sobre como o Brasil pode promover as suas próprias.
Sobre o autor
Thomaz Teixeira é CEO da BRL1, stablecoin brasileira lastreada em reais. Economista, obteve seu mestrado em Filosofia e Inteligência Artificial pela Northeastern University London e participou do Sandbox regulatório da CVM e do projeto-piloto do Drex.
Fonte: Portal do Bitcoin